Um espaço de opinião e reflexão, que me permite partilhar os meus pensamentos, frustrações e alegrias. Mas aviso desde já, se pensam aprender alguma coisa aqui, vão ficar completamente desiludidos.

domingo, 26 de junho de 2011

Mentiras Cruéis - Prólogo

«De alguma forma, através de uma combinação de orgulho e terror, ela conseguiu manter-se de cabeça erguida e dominar o enjoo. Não se tratava de um pesadelo. Não era uma fantasia obscura que ela pudesse desfazer de madrugada. Contudo, tal como num sonho, tudo sucedia em câmara lenta. Esforçava-se por emergir por uma densa cortina de água, para além da qual conseguia divisar os rostos de todas as pessoas que a rodeavam. Os olhares eram ávidos; as bocas abriram-se e fechavam-se como se prontas a engoli-la de vez. As vozes fluíam e chocalhavam como as ondas do mar a embater nos rochedos. Mas forte, mais persistente era o bater desenfreado do seu coração, um tango feroz que lhe agitava o corpo gelado.
Continua, continua, ordenava o cérebro às suas pernas trémulas, à medida que uma mãos firmes a empurravam pela multidão, para fora do edifício, em direcção aos degraus do tribunal. O reverberar da luz do sol fazia-a lacrimejar, por isso, procurou aflita pelos óculos de sol. Pensariam que chorava. Não podia permitir-lhes tamanho vislumbre das suas emoções. O silêncio seria o seu único escudo.
Tropeçou e sentiu-se entrar em pânico. Não podia cair. Se caísse, os repórteres e os curiosos saltariam por cima dela, exibindo as presas, puxando e repuxando como feras na presença de uma lebre em fuga. Tinha de se manter de pé, protegida pelo seu silâncio por alguns metros apenas. Eve ensinara-lhe precisamente isso.
- Dê-lhes a sua inteligência, menina, nunca a sua coragem.
Eve. Só lhe apetecia gritar. Levar as mãos ao rosto e gritar, gritar até que toda a fúria, todo o medo, toda a dor se esvaíssem do seu corpo.
Algumas perguntas gritadas assustaram-na. Os microfones espetavam-se-lhe na cara como pequenos dardos fatais, agora que as equipas televisivas gravavam o grande final da acusação de crime contra Julia Summers.
- Cabra! – gritou alguém, cuja voz vibrava de ódio e lágrimas. – Cabra cruel.
Queria parar e gritar também. Como sabem o que sou? Como sabem o que sinto?
Mas a porá ta limusina estava aberta. Entrou na viatura para se deixar acolher pelo ar fresco e proteger pelos vidros fumados. A multidão inclinava-se para a frente, empurrando as barricadas dispostas pela estrada. Estava rodeada por rostos furiosos, abutres que fitavam uma carcaça ainda fresca. À medida que o carro avançava, ela olhava em frente, com as mãos cerradas em punhos e os olhos surpreendentemente secos.
Nada disse quando o seu acompanhante lhe preparou uma bebida. Dois dedos de brandy. Quando bebeu o primeiro gole, ele perguntou-lhe calmamente, quase de forma casual, com a voz que aprendera a amar:
- Então, Julia, mataste-a?»

E então consegui abrir-vos o apetite?

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